domingo, 31 de outubro de 2010

Café da tarde

Ela secou as mãos no avental, ela amassava os dedos no tecido e arranhava sutilmente as unhas no pano. Mergulhou a mão esquerda no bolso da calça e tirou aquele maço prensado e magro, quase que só era papel; em seguida prendeu um cigarro entre os lábios, acendeu com um isqueiro laranja e jogou ambos, o maço e o isqueiro, sincronizadamente sobre a mesa. Tragou a primeira vez, ergueu o rosto pra mim e movimentou a cabeça de modo que a franja se deslocou para o lado: uma mecha fez uma curva mais aberta e permaneceu acima do restante dos fios. Ela soprou a fumaça para cima, aquela fumaça fez piruetas no ar e deixou fosca a luz que delineava as panelas no fogão ali atrás. Agora ela me olhava.
- Acho que já sei exatamente o que tem me incomodado. Acho que agora podemos discutir direito, sem divagar, sem falar merda.
E depois eu só ouvi a fumaça que tragava ela. Mais nada.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

12:45

Eu fico imaginando o dia em que eu vou pensar no que será que aconteceu com os caras que hoje gargalham no meu quintal, será que eles tão bem? Será que eles ainda gostam das mesmas coisas? Freqüentam os mesmos lugares? Será que o corte de cabelo é o mesmo? Virou vegetariano? Arranjou alguém, foi mesmo? Ta trabalhando, noossa, sério? Não imaginava... E aquele, tentou suicídio? Quem que fez tatuagem?! Pois é, me disseram que ela tava grávida mesmo...
Sabe, só não queria que esse dia, de pensar em tudo isso, fosse tão precoce assim. Não queria que esse dia fosse agora, não queria ter que pensar sobre tudo isso escutando as gargalhadas deles ali atrás. E eles tão ali, e continuam rindo.