domingo, 12 de dezembro de 2010

sunday afternoon

Um dia eles me disseram que todo sol é um pouco de ontem.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

O lamento da concubina


Eu costumava pensar que talvez eu tivesse sim alguma espécie de prioridade, um espaço só meu que você guardasse só pra você e que não dividia com mais ninguém. Eu pensava que mesmo com tudo isso já completamente acabado eu tivesse sido uma boa memória, né, acho que você é uma boa memória pra mim.
Mas quando eu realmente me dou conta do quanto já se passou por aí, do quanto você já passou por aí, os bocados que eu fico sabendo de você, isso me machuca, ver você refazendo e revivendo coisas que eu achava que seriam somente comigo. Acho que você também conversa com os outros o que a gente costumava conversar, acho que você pega nos outros como pegava em mim, deve ter outros amigos que também te olham do mesmo jeito que eu olhava quando você se distraia.
Você já deve ter se desfazido de mim, eu sei que já, eu sei que eu já me fui em duzentos pedaços divididos entre duzentas noites, entre duzentas pessoas em milhares de movimentos. Eu sei que eu devo ter me dissolvido em filmes, eu sei que os meus suspiros e sorrisos devem ter sido esboçados por outras expressões. Eu sei que o que eu queria muito ter te dito naquela época provavelmente foi dito por outra pessoa em outra ocasião. Acho que eu já aconteci em você por outros meios.
Eu nunca te aconteci, afinal de contas.
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domingo, 31 de outubro de 2010

Café da tarde

Ela secou as mãos no avental, ela amassava os dedos no tecido e arranhava sutilmente as unhas no pano. Mergulhou a mão esquerda no bolso da calça e tirou aquele maço prensado e magro, quase que só era papel; em seguida prendeu um cigarro entre os lábios, acendeu com um isqueiro laranja e jogou ambos, o maço e o isqueiro, sincronizadamente sobre a mesa. Tragou a primeira vez, ergueu o rosto pra mim e movimentou a cabeça de modo que a franja se deslocou para o lado: uma mecha fez uma curva mais aberta e permaneceu acima do restante dos fios. Ela soprou a fumaça para cima, aquela fumaça fez piruetas no ar e deixou fosca a luz que delineava as panelas no fogão ali atrás. Agora ela me olhava.
- Acho que já sei exatamente o que tem me incomodado. Acho que agora podemos discutir direito, sem divagar, sem falar merda.
E depois eu só ouvi a fumaça que tragava ela. Mais nada.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

12:45

Eu fico imaginando o dia em que eu vou pensar no que será que aconteceu com os caras que hoje gargalham no meu quintal, será que eles tão bem? Será que eles ainda gostam das mesmas coisas? Freqüentam os mesmos lugares? Será que o corte de cabelo é o mesmo? Virou vegetariano? Arranjou alguém, foi mesmo? Ta trabalhando, noossa, sério? Não imaginava... E aquele, tentou suicídio? Quem que fez tatuagem?! Pois é, me disseram que ela tava grávida mesmo...
Sabe, só não queria que esse dia, de pensar em tudo isso, fosse tão precoce assim. Não queria que esse dia fosse agora, não queria ter que pensar sobre tudo isso escutando as gargalhadas deles ali atrás. E eles tão ali, e continuam rindo.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Adágio lamentoso

     
     Um dia a orelha de todos nós estará ocupada permanentemente por dois fones cravados e fixados nos tímpanos. Então, nesse dia, o motorista do ônibus não terá percebido que a roda furou porque estará comovido demais no ápice da Sinfonia n.º 6 de Tchaikovsky, muito menos os passageiros, concentradíssimos e obedientes perante a cascata de notas que entupirão seus ouvidos. 
      Nesse dia também não haverá mais notícias e aí sim perderemos todo o interesse e prazer existencial de terminar o jantar ao som do casal Bonner contando que mais trinta morreram no acidente de um ônibus. Só se faltarem aos telespectadores fones de ouvido decentes ou intensidades sonoras consideráveis, né. Pobrezinhos.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

ensaio sobre o esboço


Ele já havia desistido de existir faz tempo
o seu ser foi se tornando um sendo
e foi indo, e foi sendo um indo durante um tempo
e todo o tempo então foi sendo
tão real quanto o existir.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Descostura


Parecia mesmo era que a minha cintura iria se desprender, se descosturar todinha de mim e cair no chão que nem um pedaço de pano velho. Eu então seria mais leve, tão mais leve e tão menos mulher.

sábado, 7 de agosto de 2010

Gerúndio finito


Um dia ela me disse que era para deixar as coisas simplesmente acontecerem. Simplesmente, acontecerem. Sensato, não? Uma alternativa poeticamente sensata de cometer uma dúzia de devaneios e culpar o “aconteceu”, “foi sem querer”, “era maior do que eu”, “foi mal, aconteceu”. E eles vão acontecendo, um atrás do outro, e eu, sendo um decente amante da liberdade de sentimentos e relações abstratas, deixo acontecer e penso, poxa, aconteceu.
Então é isso, é só deixar acontecer, certo? É, só isso. Mas me diz, como que posso simplesmente deixar acontecer o que eu venho planejando minuciosa e secretamente, compondo com todos os detalhes e notas dessa espécie de ópera sustentada por tons românticos e melodias humildes; Como que eu posso deixar simplesmente acontecer o que eu venho cogitando com tantos ângulos e alternativas, acontecer assim, e somente deixar acontecer? Acontecer e terminar, e acabar e ir embora e nunca mais ter uma minúscula possibilidade de acontecer do jeito que deveria (ou que poderia, talvez) acontecer.
Então me diz, você realmente acha que eu posso deixar acontecer o que vem acontecendo em mim quase que o tempo todo?

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Tripas enlaçadas


A água que cai ali de cima se associa aos meus odores e aos vestígios da minha pele, leva de mim todo o resto de hoje, escorre pra esse ralo a companhia dos caras do ônibus, do cheiro urbano das 18:00 horas no centro da cidade. Tira esse meu cheiro de mim, esse meu cheiro de gente, toda essa humanidade minha que permite os meus resíduos e odores orgânicos. Essa água que escorre da minha cara e delineia o meu corpo vai pra lá, vai pra esses encanamentos sujos e escondidos da faxina que a diarista fez hoje aqui e vai lá pra baixo, seja lá aonde for isso, leva pro encontro do dia de outros numa reunião desorganizada do produto bruto de cada residência, independente de classe social ou de qualquer outro critério de pecuinhas.
É lá que a humanidade se une num incrível fluxo de realidade sincera. E amigo, vou te contar heim, lá fede.

Janelas opostas


Elas esperavam um bom dia pra se ver, um dia assim, meio solto, com o céu bonito, todo azul com nuvens ali e aqui, sabe aquelas nuvens massudas? E um sol estupendamente quente e distante, só para enfeitar o azul, com um vento gostoso que aliviasse o calor. Elas queriam se encontrar só se fosse com uma tarde calma, embaixo da sombra de uma árvore, um dia em que acordassem com a pele mais bonita, quem sabe, a voz mais firme o corpo mais disposto; elas queriam se encontrar num dia com ar otimista, um dia com uma cor sutilmente romântica, um dia de grama verde, um dia em que não houvesse caos nas ruas. Um dia em que todos eles fossem gentis, que fosse melhor, que tudo se ajeitasse num jeito típico de dezembro em pleno julho úmido e gelado.
Elas, mesmo assim, esperavam e continuavam esperando. Até que elas não se viram.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Subúrbio domicilar


Me disseram que perder o tempo é acordar quando o sol já indica o meio do dia lá no lado de fora da janela enquanto você continua amassando o colchão e insiste em permanecer ali com uma energia de insônia diurna. Então, enfim, arrasta os pés e o corpo e você, todo enrugado de sono e marcado da incrível noite de amor com o travesseiro babado e o cobertor selvagem, caminha em direção a cozinha e mastiga alguma coisa em intervalos de suspiros, acrescenta uma musica pra quem sabe, se sentir mais descontraído com a sua situação confortavelmente deprimente de uma noite preenchida por downloads e vanilla sky dublado na tnt.
Ah, é isso, você pensa, enquanto encara a janela com o sol alinhado no centro do céu, olha lá, já ta acontecendo. As pessoas já tão caminhando lá na rua e fumando cigarros, já almoçam, alguns já dão o cochilo da tarde e outros já planejam o dia seguinte. E você? Você com suas meias de lãs vai deslizando no assoalho e senta a sua bunda gelada em frente ao computador. Estica os pés por cima da mesa, olha pela janela. O sol continua no mesmo plano.
Perder tempo, como vocês dizem, digamos que seja basicamente isso. Mas sabe, pra mim o sol sempre esteve ali, no mesmo lugar, durante toooooodo o dia.

domingo, 27 de junho de 2010

Metalinguagem falada


Ela me dizia, e ela dizia mais ou menos assim com as palavras se esbarrando e se entrelaçando num neologismo espontâneo acompanhado por uma voz adocicada; ela me dizia que não era mesmo uma coisa muito esquisita, não era? Essa coisa de somente escutar as pessoas e conseguir identificá-las pelo tom de voz, pelo timbre, pelo sotaque, por ela mesma. De escutar alguém e vir na sua mente a imagem da pessoa e junto com ela, todas as características e registros de quem ela é, os documentos emocionais que ela entregou pra você e que por eles você se guia numa linha de tratamento com ela. A voz da pessoa entra pelos ouvidos como se carregasse a pessoa pra dentro da gente, e lá dentro, a gente entende a pessoa do jeito que a gente pode.
A pessoa é um pouco nossa, então. Pois é, um pouco da gente também.
Acho que era um pouco de mim.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Realismo piegas


Ela suspirou como se procurasse por ar, e numa progressão intensa de sentimentos efêmeros e explosivos, o fluxo das palavras começou a descer da sua garganta e preencher os seios, escorregou pela curva da cintura e aqueceu a virilha. Torcendo as pernas ela pôde conter a maresia de sensações internas transmitidas pela carta que erguia com as mãos, em seguida apoiou os cotovelos no parapeito da janela, afastou a cortina e sustentou a cabeça em uma das palmas, piscando num movimento lento e atritando suavemente as pernas uma na outra.  
Longe, longe... Talvez mais próximo do que a proporção dos suspiros com os olhos procurando longe ali na janela. Talvez tão distante quanto a conexão pulsante do peito com aquele nó se desfazendo entre as pernas; talvez, talvez estivesse ali, lá e ali, tão mais aqui do que aquela ausência – cuidadosamente delineada com tinta no contorno das palavras – podia pontuar com batidas melancólicas no intervalo das horas.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

zzzzzzz


Bateram na porta. A porta era de vidro, e ela lá fora conseguia me enxergar sentada no outro lado da recepção com o livro aberto, pousado nas coxas cruzadas. Eu ergui meus olhos, olhei para ela. Ela tentava, inutilmente, abrir a porta. E eu olhava: “ta aberta” pensava, e ela continuava empurrando a maçaneta e tocando a campainha. A recepcionista ria ao telefone. Nos outros bancos, somente revistas. E eu ali, bem na frente, observando com precisão a cada pressionada que ela dava com os dedos firmes na maçaneta, claro, tava escrito “pressione” e ela pressionava, ela obedecia e pedia ajuda pela campainha. A recepcionista prendeu o telefone entre o ombro e a orelha, depois começou a lixar as unhas. E eu ali, silenciosamente dizendo “moça, ta aberta”.
Ela então abriu. Entrou, fechou a porta com os olhos cravados no chão. Olhou pra mim, sorriu de lado: “Olha só, tava aberta...”.

segunda-feira, 31 de maio de 2010

Café minguante


Éramos nós duas, nós duas despejando nuvens que delineavam nossos "áureas" e elevavam os assuntos mais confortáveis e convenientes naquela hora da noite. Era cedo demais, não era? Cedo demais pra falar de mais tarde, cedo demais pra entender a solidão das baratas. Era cedo demais pra contar estrelas nubladas, muito cedo pra arrastar pantufas.
Mas ah, cá entre nós, sempre foi tarde pra enxergar o contorno das nossas nuvens fragmentadas. Isso, isso sempre foi mesmo.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Tem certeza que deseja deletar este arquivo?



Do que adianta você me oferecer essa eternidade toda? O que eu faço com ela depois? Você diz que tudo acabou pra sermos eternos, e que cada segundo do passado vai continuar acontecendo lá atrás, numa redundante ação de verbos conjugados no infinitivo, indo e retornando, acontecendo pra sempre. Do que adianta, me diz? Do que adianta ser sua no meu passado e hoje já não possuir mais nenhuma relação “piegas” com você? Do que adianta te preservar assim, intacto e parnasiano, e hoje enxergar suas rugas quando você sorri de longe, observar as suas atitudes imaturas e assim conseguir modificar o que já foi, reconhecer o que você não era e que eu mesma, tapada de amor, me recusava a enxergar...? Do que adianta, meu deus?! Me diz, sério, eu quero que você me explique, por que valorizar assim tanto o que já fomos se isso vai se perder, e vai se diluir, e mais tarde vai se modificar porque eu vou esquecer que você tinha alface entre os dentes quando foi dizer que me amava, e daí eu vou pensar que foi tudo lindo, mas não foi, aliás, foi ridículo. Desculpa, foi mesmo.
Se for pra terminar, diz assim “você já não me agrada mais” tudo bem, qual argumento eu vou ter pra isso também, né? Nenhum, oras, o que eu posso fazer se já acabou e ta mesmo nessa merda toda, você também anda chato demais, reclama de tudo, mas tudo bem, não, não vamos discutir isso outra vez, eu já sei, é, eu já sei, já sei... Eu sei que eu to chata também, tudo bem, a gente já falou disso. Tudo bem.
Ah, quer saber, tudo bem é o caramba, enfia essa “eternidade” no cu, romanticozinho de merda. E vai se foder também.

domingo, 16 de maio de 2010

A humanidade inteira dela



Bom dia amor, eu te amo, deixei pães na mesa e o leite no fogão, e eu te amo, ta? Vou chegar um pouco tarde, mas você já sabe, eu te amo, qualquer coisa pode ligar no meu número por que tipo assim, eu te amo, e se tiver desligado você sabe qual é o motivo, te amo e vou estar na reunião, já te disse né? Que eu te amo, e a reunião de hoje e tal... Tenha um bom dia! Te amo e chego à noite, talvez eu traga algum te amo filme pra gente assistir junto antes de dormir, ok? Beijo amor, te amo. Te amo. Eu

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Poeira cósmica



Por entre as frestas da persiana, nas linhas simétricas de luz bailavam pontos brancos como astros e estrelas em movimentos desorganizados, brilhantes, flutuando, caindo e voltando, girando com o movimento das mãos que tentavam apanhá-los. Fechava a palma e trazia para a sombra, mas já não estavam mais lá quando os dedos iam se abrindo um a um; Se desfaziam em faíscas de pôr-do-sol na janela da sala, seguiam a correnteza da cortina e dispersavam diante dos olhos nus, mesmo dos olhos despidos de qualquer formato geométrico.
O nome disso é poeira.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Corujinha, corujinha, que peninha de você


Gostava de dar a volta ao redor da casa, mesmo que o quintal fosse limitado num corredor minado por merda de cachorro e por gritaria dos vizinhos, sim, gostava de passar as mãos nas esburacadas e ásperas paredes, estas cinzas e vermelhas com pedaços de tijolos batidos expostos, sentir aquele cheiro de década passada, aqueles cacos de vidros enfileirado acima do muro e uniformizados de azul, verde, céu... Lá dentro já lhe chamavam; ela se escondia na aresta da parede, ria sozinha, olhava os arames e as portinhas, os chinelos jogados junto aos cachorros, o cachorro dormindo sob a guarda do chinelo.

Já começavam a vir passos que rastejavam as solas dos pés, chamavam “Menina!” e ela corria pelo outro lado; pelo outro lado quem sabe não seria pega, não seria pega pela merda e gritaria, pelo céu azul batido de nuvens ralas, a cadeira de balanço ninada pelo vento, os jornais rasgados rodopiando no chão e pelo cheiro de bolo que vinha na porta da cozinha, um cheiro que somente em suas narinas era peneirado de vestidos de bonecas e pipas azuis.

domingo, 11 de abril de 2010

Quadrilha individual



Em ramos descentralizados no interior dos meus braços se apertam nós frouxos, puxando uma linha emaranhada no centro do peito. O corpo todo, esticado, reproduz reflexos interiores tentando afrouxar, afrouxando em esqueletos de borboletas e pétalas de rosas dissecadas. Os movimentos agora são limitados, as asas das borboletas escarlates e das rosas com pontas secas exalam putrefação, vão preenchendo cada curva e espaço dentro de mim, saem pelas minhas narinas e pelo movimento da língua. Eu te transmito meus nós, torço meu íntimo e meus segredos contorcidos, veja bem, você sente? Você enxerga? Você inalou meu cheiro, apalpou minhas palavras ásperas? São essas, são essas as que me fazem ser um desencontro; sim, um desencontro planejado minuciosamente por criaturas silenciosas e travessas, elas que circundam meus sonhos mais aconchegantes e que sussurram pelos meus lábios mistérios sujos e barrocos.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Complexo das unhas roídas



“Já ouviu falar que quem rói unha tem mágoa de pai?” Ela perguntou baixinho do meu lado.E eu dizia, sim, já ouvi, já sei dessa história, de mágoa de pai, e continuava mordendo as cutículas e puxando as fibras da superfície da unha. Às vezes esticava uma camada grossa e rugosa de esmalte escarlate no resto de unha, e depois, cuidadosamente, esfregava a tampa da caneta ou a ponta de uma tesoura na tinta seca aos poucos até suspender toda a casca do esmalte em fragmentos vermelhos. Ficavam somente vestígios de vaidade.
Eles ali diziam que o mundo lá fora era grande, nossa é muito grande, e você, você é o que? Você é um mísero fulano-de-tal filhinho de papai, você aí ta numa transição de ser gente e ser criança, ser criança, ta no processo de ser gente e ser desempregado. Você aí, você aí, coitadinho de você, você aí tem que correr pra não perder a vida que outros lá podem pegar. A sua vida tá competindo com a vida dele, e você tem que ser melhor, não tem vida pra todo mundo e o mundo lá fora é grande e cruel demais pra disponibilizar vida pra galera toda. Deixa de ser criança e empilha os tijolos da sua vida. Você tem que ser gente.
“Você não vai prestar a atenção?” Ela me disse mais uma vez, baixinho. “Eu to prestando”, e agora riscava os dedos com pinceladas de corretivo.

sábado, 30 de janeiro de 2010

Brilha, brilha



Abaixo dos cílios inferiores derretia o grafite macio e negro do lápis, desenhando numa simetria perfeita, o contorno e a profundidade do rosto; as olheiras profundas, ainda mais profundas agora, se escureciam pelos vestígios da maquiagem. A penugem da face parecia escondida e penteada por uma camada grossa e suada de corretivos; o batom borrava no canto dos lábios um vermelho barato e os poros se abriam, a expressão tentava respirar algum pouco que fosse de naturalidade. Olha pra mim, ela pensou, meu nome é estrela.