“Já ouviu falar que quem rói unha tem mágoa de pai?” Ela perguntou baixinho do meu lado.E eu dizia, sim, já ouvi, já sei dessa história, de mágoa de pai, e continuava mordendo as cutículas e puxando as fibras da superfície da unha. Às vezes esticava uma camada grossa e rugosa de esmalte escarlate no resto de unha, e depois, cuidadosamente, esfregava a tampa da caneta ou a ponta de uma tesoura na tinta seca aos poucos até suspender toda a casca do esmalte em fragmentos vermelhos. Ficavam somente vestígios de vaidade.
Eles ali diziam que o mundo lá fora era grande, nossa é muito grande, e você, você é o que? Você é um mísero fulano-de-tal filhinho de papai, você aí ta numa transição de ser gente e ser criança, ser criança, ta no processo de ser gente e ser desempregado. Você aí, você aí, coitadinho de você, você aí tem que correr pra não perder a vida que outros lá podem pegar. A sua vida tá competindo com a vida dele, e você tem que ser melhor, não tem vida pra todo mundo e o mundo lá fora é grande e cruel demais pra disponibilizar vida pra galera toda. Deixa de ser criança e empilha os tijolos da sua vida. Você tem que ser gente.
“Você não vai prestar a atenção?” Ela me disse mais uma vez, baixinho. “Eu to prestando”, e agora riscava os dedos com pinceladas de corretivo.
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