João Pessoa, 28 de dezembro de 2013
Queridx A.
Prometi à minha orientadora que
leria as cartas trocadas entre Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro antes do
dia primeiro do próximo ano; no entanto, fiquei a vaguear vários dias, o que de
certo não me queixo, acho que realmente precisava… Mas eis que agora corro
contra o tempo, são muitas as cartas e estou ainda entre as primeiras. A
relevância de te falar isso, calma queridx amigx, logo explicarei.
Minhas primeiras leituras das
correspondências confesso que as achei desagradáveis; Pessoa e Sá-Carneiro eram
poetas geniais, no entanto pareciam – pelas pistas das cartas de Sá-Carneiro ao
Pessoa – que o sabiam demais; sabiam que eram bons, e por isso mesmo não
dedicavam sua vida à nenhuma outra atividade que senão falar de si mesmos e de
suas obras.
No entanto, enquanto avançava nas
leituras, fui percebendo o que de fato significavam aquelas correspondências, a
sensibilidade daquelas palavras.
Sá-Carneiro dedicava-se muito às
cartas, escrevia com um intervalo de dois dias ao Fernando Pessoa e sempre
pedia que o respondesse o mais rápido possível.
As cartas, muito além de serem
apenas material de análise literária e um grande suporte para compreender a
visão dos modernos com relação ao seu tempo contemporâneo, são acima de tudo,
correspondências pessoais: ali se configura o único veículo de comunicação
entre dois grandes amigos. Vejo Sá-Carneiro, inseguro, pedindo a opinião de
Pessoa, a dizê-lo coisas banais da vida, sua indisposição, a felicidade de
pequenas coisas, as suas saudades.
Hoje, lavando a louça e pensando
nas cartas, fiquei emocionada. Como é bom ter um amigo a quem podemos falar!
Digo falar do que nos mais importa. A eles, o que mais importava era a poesia:
pela poesia viviam, por ela morreram e era ela inclusive que os unia.
Pensei em você… Gostaria de
comentar a alguém sobre as cartas, sabe? Mas sei que não é bem muito do
interesse do pessoal daqui.
Sinto sua falta. De conversarmos
ao pé da porta. Você sempre se interessava… E eu me interessava pelas suas
coisas também. Acho lindo o ultimo verso que Pessoa fez num poema pro
Sá-Carneiro:
O amigo como esse que ao falar amamos
Sempre penso em você quando leio
esse verso. Quando nos conhecemos, eu dizia aos meus amigos que tínhamos o
mesmo coração. Ainda acho isso, mas hoje acredito que nossos corações possuem
paixões diferentes.
Me sinto sozinha por aqui também.
Gosto de ficar no mar suspensa com os olhos fechados, as ondas me levantando e
descendo… Como se eu fosse o mar também.
A distância que tenho em mim do
sudeste ora me faz sentir que desapareci. Sei que estou sumindo, realmente. Acredito
que estou ranzinza, A.
Esse ano para mim foi regido pelo
signo de virgem, era um ano de limpeza e purificação. Acredito que me limpei de
coisas que já não me são mais necessárias, me retrai, isolei, não me arrependo,
me fez bem, mas é claro, tudo tem uma conseqüência.
Me sinto menos procurada… Quando
você deixa de se importar com as pessoas elas certamente deixam de se importar
com você.
Fiquei triste com isso… Tenho a
sensação de que sou tão vã, qualquer hora, em qualquer ventania, desapareço.
Um dia x P. me disse que o que
nos fazia existir era a força da memória e da saudade. O morto pode estar
morto, mas só deixa de existir quando ninguém mais o lembra.
Seria possível, então, alguém já
não mais lembrado desaparecer ainda em vida?
Bom, se não te chatear, me
agradaria bastante um retorno seu.
Um abraço inteiro desta sua saudosa amiga,
M.