quinta-feira, 15 de abril de 2010

Poeira cósmica



Por entre as frestas da persiana, nas linhas simétricas de luz bailavam pontos brancos como astros e estrelas em movimentos desorganizados, brilhantes, flutuando, caindo e voltando, girando com o movimento das mãos que tentavam apanhá-los. Fechava a palma e trazia para a sombra, mas já não estavam mais lá quando os dedos iam se abrindo um a um; Se desfaziam em faíscas de pôr-do-sol na janela da sala, seguiam a correnteza da cortina e dispersavam diante dos olhos nus, mesmo dos olhos despidos de qualquer formato geométrico.
O nome disso é poeira.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Corujinha, corujinha, que peninha de você


Gostava de dar a volta ao redor da casa, mesmo que o quintal fosse limitado num corredor minado por merda de cachorro e por gritaria dos vizinhos, sim, gostava de passar as mãos nas esburacadas e ásperas paredes, estas cinzas e vermelhas com pedaços de tijolos batidos expostos, sentir aquele cheiro de década passada, aqueles cacos de vidros enfileirado acima do muro e uniformizados de azul, verde, céu... Lá dentro já lhe chamavam; ela se escondia na aresta da parede, ria sozinha, olhava os arames e as portinhas, os chinelos jogados junto aos cachorros, o cachorro dormindo sob a guarda do chinelo.

Já começavam a vir passos que rastejavam as solas dos pés, chamavam “Menina!” e ela corria pelo outro lado; pelo outro lado quem sabe não seria pega, não seria pega pela merda e gritaria, pelo céu azul batido de nuvens ralas, a cadeira de balanço ninada pelo vento, os jornais rasgados rodopiando no chão e pelo cheiro de bolo que vinha na porta da cozinha, um cheiro que somente em suas narinas era peneirado de vestidos de bonecas e pipas azuis.

domingo, 11 de abril de 2010

Quadrilha individual



Em ramos descentralizados no interior dos meus braços se apertam nós frouxos, puxando uma linha emaranhada no centro do peito. O corpo todo, esticado, reproduz reflexos interiores tentando afrouxar, afrouxando em esqueletos de borboletas e pétalas de rosas dissecadas. Os movimentos agora são limitados, as asas das borboletas escarlates e das rosas com pontas secas exalam putrefação, vão preenchendo cada curva e espaço dentro de mim, saem pelas minhas narinas e pelo movimento da língua. Eu te transmito meus nós, torço meu íntimo e meus segredos contorcidos, veja bem, você sente? Você enxerga? Você inalou meu cheiro, apalpou minhas palavras ásperas? São essas, são essas as que me fazem ser um desencontro; sim, um desencontro planejado minuciosamente por criaturas silenciosas e travessas, elas que circundam meus sonhos mais aconchegantes e que sussurram pelos meus lábios mistérios sujos e barrocos.