domingo, 27 de junho de 2010

Metalinguagem falada


Ela me dizia, e ela dizia mais ou menos assim com as palavras se esbarrando e se entrelaçando num neologismo espontâneo acompanhado por uma voz adocicada; ela me dizia que não era mesmo uma coisa muito esquisita, não era? Essa coisa de somente escutar as pessoas e conseguir identificá-las pelo tom de voz, pelo timbre, pelo sotaque, por ela mesma. De escutar alguém e vir na sua mente a imagem da pessoa e junto com ela, todas as características e registros de quem ela é, os documentos emocionais que ela entregou pra você e que por eles você se guia numa linha de tratamento com ela. A voz da pessoa entra pelos ouvidos como se carregasse a pessoa pra dentro da gente, e lá dentro, a gente entende a pessoa do jeito que a gente pode.
A pessoa é um pouco nossa, então. Pois é, um pouco da gente também.
Acho que era um pouco de mim.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Realismo piegas


Ela suspirou como se procurasse por ar, e numa progressão intensa de sentimentos efêmeros e explosivos, o fluxo das palavras começou a descer da sua garganta e preencher os seios, escorregou pela curva da cintura e aqueceu a virilha. Torcendo as pernas ela pôde conter a maresia de sensações internas transmitidas pela carta que erguia com as mãos, em seguida apoiou os cotovelos no parapeito da janela, afastou a cortina e sustentou a cabeça em uma das palmas, piscando num movimento lento e atritando suavemente as pernas uma na outra.  
Longe, longe... Talvez mais próximo do que a proporção dos suspiros com os olhos procurando longe ali na janela. Talvez tão distante quanto a conexão pulsante do peito com aquele nó se desfazendo entre as pernas; talvez, talvez estivesse ali, lá e ali, tão mais aqui do que aquela ausência – cuidadosamente delineada com tinta no contorno das palavras – podia pontuar com batidas melancólicas no intervalo das horas.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

zzzzzzz


Bateram na porta. A porta era de vidro, e ela lá fora conseguia me enxergar sentada no outro lado da recepção com o livro aberto, pousado nas coxas cruzadas. Eu ergui meus olhos, olhei para ela. Ela tentava, inutilmente, abrir a porta. E eu olhava: “ta aberta” pensava, e ela continuava empurrando a maçaneta e tocando a campainha. A recepcionista ria ao telefone. Nos outros bancos, somente revistas. E eu ali, bem na frente, observando com precisão a cada pressionada que ela dava com os dedos firmes na maçaneta, claro, tava escrito “pressione” e ela pressionava, ela obedecia e pedia ajuda pela campainha. A recepcionista prendeu o telefone entre o ombro e a orelha, depois começou a lixar as unhas. E eu ali, silenciosamente dizendo “moça, ta aberta”.
Ela então abriu. Entrou, fechou a porta com os olhos cravados no chão. Olhou pra mim, sorriu de lado: “Olha só, tava aberta...”.